segunda-feira, 28 de maio de 2012

Isso era seu, tava comigo

Não é de bom tom começar com incertezas, mas não há outro jeito: eu não sei o que se seguirá nessa folha. Mas escrever é sempre um risco, é um escapar-se, é vício. Tem coisas que não dá pra calar. Talvez houvesse um jeito melhor de contar essa história, talvez ficasse menos hermética e mais fingida e, portanto, mais bonita. Não domino este jeito. E por fim, antes do começo, o querido Manoel de Barros: considere que "90% do que eu digo é invenção, só 10% é mentira." Escrevamos torto por linhas inexistentes. A história é assim:

[Observou-a tirar a bolsa e largá-la na grama, e aquele ato ínfimo já era um despir-se. Que aquela moça tinha olhos nus. - Eu discordo -, ela já foi dizendo, e sorriu; que ela era sempre de brincadeira e por isso mesmo sempre de verdade. Ele sorriu também, porque sabia. O quê nenhum dos dois sabia, mas sabiam pois sabiam-se ali. Era o espaço da invenção. Onde? Em casa, na companhia um do outro. Os dois cansados e estranhos. Onde? naquela trincheira que que só existia ali, no estar. Não diziam os antigos que o eu só existe a partir do tu? Pois. Eles se inventavam. Como? Ora, como todos os que valem a pena. Com aqueles trechos de livros, as músicas, as peças, os filósofos, a política - e aqui falo porque eles quase se encontravam, pra em seguida um eu discordo, na verdade por bel prazer dos dois -, e as histórias, porque ali era tão confortável dizer, até das falhas ou angustiadas - que ela bebeu tequila demais e apagou, que ele dormiu no chão da Lapa, que ela chorou no filme do Shakespeare, que ele disse ter inventado o avião de passageiros, que ela era vergonhosamente fã da Julia Roberts, que ele adorava os vilões com capa, monóculo e chapéu -, e também o presente, a vontade tão colada dentro que nunca era dita: eu ficaria aqui, eu ficaria aqui, eu ficaria, me leve, me leve, é tão leve. É que esse agora era tão bom, com os olhos salgados, as estrelas resistentes à metrópole, a lua de poluição, as luzes da cidade mostrando a fumaça estranha, os navios carregando cidades. Era possível o toque ali, era óbvio, por isso se tocavam, me leve, leve. Era assim, mas nenhum dos dois saberia dizer. Era tudo, ali e neles, de brincadeira, e por isso mesmo sempre de verdade. O haver.]

Eu te isso.

Beijos,
Ana.

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